O Ourives e a jóia
Maldito és Tu Senhor de mim;
Por portar com tamanha realeza,
destreza e força
as asas que te dei.
(ou a maldita serei eu?...)
Maldito coração que não posso controlar.
E bate de forma profunda,
intensa, descompassada...
tão mais forte
apenas pelo fato de Te ver.
Maldito tempo;
que Te mostrou fissuras, rasgos
e a tinta que descasca de minha fachada tão dura.
Maldita paixão;
por fazer com que eu,
antes tão precavida,
entregue em Tuas mãos
todas as minhas fraquezas,
desejos, segredos...
Maldita adoração
por ter feito com que abrisse mais,
muito mais,
que apenas minhas pernas...
Por ter feito com que minha mente se abrisse
e que os portões de minha alma,
assim como também as comportas de meus sonhos,
caíssem por terra,
por ter me revelado a Ti como sou
e não como desejo mostrar-me.
Por me revelar a Ti apenas como,
e nada mais,
que humana, que mulher, que submissa.
Amaldiçôo também Teu corpo;
por ele,
e somente ele,
me completar de uma maneira viciante e sublime
e que ,apenas com força sobre-humana,
eu conseguiria suportar a abstinência agora.
São tantas as maldições que queria ser capaz de proferir...
sempre quando esta distante
de mim.
Mas as lembranças (sempre elas)
fazem com que eu apenas me sinta cada vez mais Tua
e mergulhe na bênção de Teus cuidados,
Teus castigos,
Teus afagos e Teus braços...
E vejo que não...
Jamais serei capaz de amaldiçoar Teus beijos,
nem Tua boca,
nem Teu olhar,
nem Teu calor,
tão pouco Teu furor ao tomar posse
e penetrar e morder e beijar
e fazer Teu aquilo que é Teu.
E abençôo Tua pele suave,
Teu toque , Tua voz, Teu suspirar,
Teu desejo, Teus gemidos, Teu colo macio
e Teus laços.
E sinto que parto em duas,
me espatifo em cacos,
me divido em mil estilhaços de cores e sombras
e sinto uma guerra divina entre anjos e demônios
dentro do meu peito.
E assim sigo
usando minha alva asa para lhe dar paz,
frescor, leveza, conforto, tranqüilidade
e usando minha asa rubra
para fazer Teu sangue ferver,
Teu peito arfar,
despertar Teu desejo,
o brilho do Teu olhar,
Tua ira, Teu calor, Tua paixão.
Adorando, odiando, sentindo, servindo,
negando, duvidando , desdizendo, praguejando,
suspirando, abrindo, sorrindo, temendo,
arfando, chorando...
mas sempre depois...
abandonando o que sou em nome dessa paixão
(bendita , ora maldita)
E que me faz servir ao meu Senhor,
dobrar-me aos Teus desejos,
baixar meus olhos
perante o homem que tem o poder
de transformar meus dias em céu ou inferno
apenas com palavras.
Ajoelhar-me perante Ti...
Sempre e em primeiro lugar por um motivo apenas...
O meu Senhor...
E isso basta para fazer calar a guerra em mim
e fazer com que todas as guerreiras emudeçam em paz.
Isso basta
para que eu siga pertencendo a meu Mestre
como anjo-demônio que sempre fui...
Apenas os olhos de meu Senhor.
Com os dois lados que residem em mim...
o lado mortal, submisso, temeroso,
calado, feliz e frágil e acalentado.
E meu lado forte, altivo, digno ,
contestador e castigado.
Ambos os lados do que sou...
Ambos lados que entrego somente em Tuas mãos
para que possa misturar, ceifar,
separar, calar, despertar...
conforme Teu desejo.
Todas que me habitam pertencem a Ti Senhor,
tal como faces e luzes de um prisma,
a brilhar, dançar, iluminar
apenas com o toque de tuas mãos,
com o transpassar da luz de seus olhos por mim
mas que se apagam de súbito quando o Senhor não está.
Mas quando esta perto
todas que me habitam encontram a paz
e passam a unidade pura e simples de apenas uma mulher
submissa, apaixonada, feliz em faze-lo feliz...
e todas atendem por apenas um nome agora:
Serva de meu Mestre.
E desperto peça inacaba ainda
mas única, rara, cuidada, liquefeita
e novamente (e quantas vezes desejar) moldada
a espera da perfeição
que somente o calor e formão de Tuas mãos
poderão trazer a este mundo.
E depois guarda-lá
como peça tua que é...
E nesse momento
todos os meus lados serão apenas faces da mesma pedra
lapidada por teus desejos...
Jóia que adornará teu cetro ,
a jóia de perfeita lapidação
em que se orgulhará de colocar tua marca de ourives.
Tua obra que poderá guardar
por toda eternidade...
Tua jóia espera sempre...
aguardando o momento em que novamente
Tuas abençoadas mãos tocaram esse teu objeto
para honrá-lo com Teus cuidados, Teu desejo e Tua paixão...
E finalmente sentir que não sou mais rascunho
mas que, finalmente,
sou obra acabada que se aproximou,
ao menos dos sonhos,
de perfeição de Meu Criador.
ruiv@